segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O último discurso de “O Grande Ditador” - Charles Chaplin


Setenta anos depois, ainda precisamos ouvir isso:

Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.
            Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
            O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.  A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
            A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
            Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
            Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
            É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
            Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

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O filme completo pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=LfbTYhX6Dqs
Também disponível para download em: http://www.megaupload.com/?d=GFJPFI30

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Micrômegas - Voltaire

Cap. I - Viagem de um habitante da estrela Sírio ao planeta Saturno

Num desses planetas que giram em torno da estrela chamada Sírio, havia um jovem de muito espírito a quem tive a honra de conhecer durante a última viagem que fez a este nosso pequeno formigueiro: chamava-se Micrômegas, nome bastante adequado a todos os grandes. Tinha oito léguas de altura: entendo, por oito léguas, vinte e quatro mil passos geométricos de cinco pés cada um.
          Alguns algebristas, gente sempre útil ao público, tomarão logo da pena e, tendo em vista que o senhor Micrômegas, habitante do país de Sírio, tem da cabeça aos pés vinte e quatro mil passos, ou sejam vinte mil pés, e que nós outros, cidadãos da terra, não medimos mais que cinco pés de altura e o nosso globo nove mil léguas de circunferência, esses algebristas, dizia, eu, calcularão que é preciso, absolutamente, que o globo que o produziu seja exatamente vinte e um milhões e seiscentas mil vezes maior que a nossa minúscula terra. Nada mais simples nem mais comum na natureza. Os Estados de alguns soberanos da Alemanha ou da Itália, cuja volta se pode fazer em meia hora, comparados ao império da Turquia, de Moscóvia ou da China, não são mais que uma débil imagem das prodigiosas diferenças que a natureza colocou em todos os seres.
          Sendo Sua Excelência da altura que eu disse, todo, os nossos escultores e pintores convirão sem dificuldade em que a sua cintura pode medir cinqüenta mil pés, o que constitui uma bela proporção.
          Quanto a seu espírito, é um dos mais cultivados que existem; sabe muitas coisas e inventou algumas outras: não tinha ainda duzentos e cinqüenta anos e estudava, segundo o costume, no colégio dos jesuítas de seu planeta, quando adivinhou, só pela força de seu espírito, mais de cinqüenta proposições de Euclides – isto é, dezoito mais que Blaise Pascal, o qual depois de ter adivinhado trinta e duas, por brincadeira, pelo que diz a sua irmã, tornou-se mais tarde um geômetra bastante medíocre e um péssimo metafísico. Lá pelos seus quatrocentos e cinqüenta anos, ao sair da infância, dissecou muitos desses pequenos insetos que têm apenas cem pés de diâmetro e que se furtam aos microscópios ordinários; compôs sobre a matéria um livro bastante curioso, mas que lhe valeu algumas contrariedades. O mufti de seu país, sujeito esmiuçador e ignorantíssimo, achou no seu livro proposições suspeitas, malsoantes, temerárias heréticas, que cheiravam a heresia, e o perseguiu sem tréguas: tratava-se de saber se a forma substancial das pulgas de Sírio era a mesma que a dos caracóis. Micrômegas defendeu-se com espírito; pôs as mulheres a seu favor; o processo durou duzentos e vinte anos. Afinal o mufti fez com que o livro fosse condenado por jurisconsultos que não o haviam lido, e o autor teve ordem de não aparecer na Corte durante oitocentos anos.
          Pouco se afligiu ele de ser banido de uma Corte onde só havia intrigas e mesquinharias. Compôs uma canção muito divertida contra o mufti, a que este não deu importância; e pôs-se a viajar de planeta em planeta, para acabar de formar o espírito e o coração, como se diz. Os que só viajam de cadeira de posta e berlinda ficarão decerto espantados com as equipagens de lá; pois nós, em nossa pequena bola de lama, nada concebemos além de nossos usos. O nosso viajante conhecia às maravilhas as leis da gravitação e todas as forças atrativas e repulsivas. Utilizava-as tão a propósito que, ou por intermédio de um raio de sol, ou graças à comodidade de um cometa, ia de globo em globo, ele e os seus, como um pássaro voeja de ramo em ramo. Em pouco percorreu a Via Láctea; e sou obrigado a confessar que nunca viu, em meio às estrelas de que é semeada, esse belo céu empíreo que o ilustre vigário Derham se gaba de ter enxergado na ponta de sua luneta. Não que eu pretenda alegar que o senhor Derham tenha visto mal, Deus me livre! mas Micrômegas esteve no local, é um bom observador, e eu não quero contradizer ninguém. Micrômegas depois da muitas voltas chegou ao globo de Saturno. Por mais acostumado que estivesse a ver coisas novas, não pôde, ante a pequenez do globo e de seus habitantes, evitar esse sorriso de superioridade que às vezes escapa aos mais sábios. Pois afinal Saturno não é mais que novecentas vezes maior que a terra, e os seus cidadãos não passam de anões que têm apenas umas mil toesas de altura. A principio, zombou ele um pouco com a sua gente, mais ou menos como um músico italiano se põe a rir de música de Lulli, quando chega em França. Mas o siriano, que tinha o espírito justo, compreendeu que uma criatura pensante poderia muito bem não ser ridícula só por ter seis mil pés de altura. Familiarizou-se com os saturnianos, depois de os haver espantado. Ligou-se de estreita amizade com o secretário da Academia de Saturno, homem de muito espírito, que na verdade nada inventara, mas prestava excelente conta das invenções doe outros, e fazia passavelmente pequenos versos e grandes cálculos. Transcreverei aqui, para satisfação dos leitores, uma singular conversação que Micrômegas teve um dia com o senhor secretário.

Continua...
Texto completo (e não muito grande) em : http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/micromegasN.html

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O despertar dos mágicos - Louis Pauwels e Jacques Bergier

"Bruscamente, as portas cuidadosamente fechadas pelo século XIX sobre as infinitas possibilidades do homem, da matéria, da energia, do espaço e do tempo vão cair em estilhaços. As ciências e as técnicas darão um salto formidável, e a própria natureza do conhecimento vai ser novamente discutida. Mais do que um progresso: uma transmutação. Neste novo estado do mundo, a própria consciência deve mudar de estado.
Atualmente, em todos os domínios, todas as formas da imaginação estão em movimento. Excepto nos domínios onde se desenrola a nossa vida "histórica", obstruída, dolorosa, com a precariedade das coisas condenadas. Um fosso imenso separa o homem da aventura da humanidade, as nossas sociedades da nossa civilização. Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós. Contemplamos a subida dos foguetes em direção ao céu, sentimos a terra vibrar devido a mil radiações novas, chupando o cachimbo de Thomas Graindorge. A nossa literatura, os nossos debates filosóficos, os nossos conflitos ideológicos, a nossa atitude perante a realidade, tudo isto dormita atrás das portas que acabam de ir pelos ares. Juventude! Juventude! Ide dizer a toda a gente que as entradas estão abertas e que o Exterior já penetrou!"


Citação do livro: O despertar dos mágicos : introdução ao realismo fantástico, de Louis Pauwels e Jacques Bergier. Editora Edipe.
Taqmbém disponível na internet em ( e provavelmente também em versões pra impressão): http://sofadasala.vilabol.uol.com.br/jornalismo/livros/despertar_dos_magicos/indice.html

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Os Irmãos Karamázov - Dostoievski

Que livrão! Mas as páginas passam que você nem sente...

"Se Deus não existe, então tudo é permitido". É com base nessa máxima que o romance desarrola.

Fyodor Karamázov é um homem totalmente sem compromisso com qualquer valor moral, independentemente de acreditar na existência de Deus ou não. Tem três filhos e os deixa entregues ao mundo.

O primeiro filho, Dmitri Karamázov, sente ódio mortal pelo pai devido ao seu desamparo e às suas preferências (libertinagem e riquezas), mas é, ele mesmo, um libertino e fanfarrão, mas, ao contrário do pai, muitíssimo liberal, não sabe lidar com dinheiro. Embora compreenda e valorize a moral vigente, Dmitri é muito mais entregue aos seus desejos e sentimentos do que à razão. A razão nele, aliás, é quase nula no que diz respeito às suas ações e decisões, que são impulsivas.

Os outros dois filhos de Fyodor Karamázov são de seu segundo casamento: Ivan e Aliéksiei Karamázov.

Ivan Karamázov é o autor da frase "Se Deus não existe, então tudo é permitido", e questiona os valores morais. É o mais inteligente dentre os irmãos e embora adote uma teoria amoral, aproxima-se muito do que se chama um homem moral. Mas alguém que não acredite no valor da moral predominante e aja de maneira tão passiva, tão socialmente certa, deve enfrentar algum conflito interior: de fato, é o caso de Ivan.

Aliéksiei Karamázov, ou somente Aliócha, é o irmão caçula e mais amável. Não julga os atos do pai e dos irmãos e é um ótimo ouvinte e aconselhador. Em seus atos baseia-se antes pela sua intuição do que pela razão pura. É querido por todos e sabe igualmente amar a todos. Torna-se monge (de uma religião que não lembro o nome, nem sei se existe), embora não acredite necessariamente em Deus.

Smierdiakov é outro personagem do livro, provável quarto filho de Fiodor Kamarázov. A mãe dele que era a "louca da cidade" morreu na hora do parto, na casa do criado de Fiódor, que criou-o junto com sua esposa. Smierdiakóv criou-se, então, dentro da casa de seu suposto pai. É sempre amargo, mas tem uma simpatia imensa por Ivan, por considera-lo um homem de espírito, assim como a si mesmo. Tem profunda influência pelo pensamento de Ivan sobre a amoralidade, como nos mostra o romance em determinado momento.

Enfim, "Os irmãos Karamázov" nos mostra qual é a relação entre a existência de Deus e a moral adotada ou não pelos homens. Até que ponto os homens baseiam-se em alguma teoria moral para agir? Até que ponto a idéia de um Deus influencia ou não no agir? É o que nos mostra Dostoiévski nesse romance empolgante, nesse teatro dos sentimentos humanos.